Cori

Como se mede uma pessoa? Esqueça fitas métricas, trenas e réguas; não me refiro a altura física ou o tamanho da cintura, nem nada do tipo anatômico. Como se mede uma pessoa sem conferir o seu extrato bancário, seus bens e/ou seus cartões de crédito na carteira? Como ter a real medida da importância de alguém sem olhar para seus títulos emoldurados e pendurados em paredes e portas, pelo séquito de bajuladores, aduladores e puxa-sacos ou seu curriculum vitae?

Meus mestres da pena já falaram a esse respeito; Martha Medeiros escreveu em A Fita Métrica do Amor que uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto. Valter Hugo Mãe, um de meus escritores favoritos, disse a frase que tenho escrita nas bordas das minhas moleskines:  as pessoas dobram ou encolhem de tamanho dependendo da sua capacidade de amar. 

E é mais ou menos por esse caminho que eu vou. Acho que consigo medir outro ser humano pelas pessoas que o esperam quando ele sai de casa para ganhar o dia, os que ficam aguardando por um retorno seguro daquele que foi buscar o seu lugar ao sol. Isso me dá a medida exata do tamanho de alguém: quem espera por nós quando estamos pra chegar ou partir, quem espera que dê tudo certo, quem espera que o nosso dia termine bem... Imagine a solidão que seria acordar e descobrir que absolutamente ninguém no mundo espera por você? Curioso é saber que muita gente pensaria que um acontecimento desse é liberdade e confunde solitude com ter paz. Erro grasso... Ter alguém à  sua espera para te acolher num abraço, seja num dia difícil ou não, oferece a chance de descobrir o seu próprio tamanho. Alguém para te esperar chegar, telefonar, retornar, ou qualquer outro verbo do gênero, diz a altura da sua alma, o tamanho do seu coração, a largura da sua generosidade, o peso da sua importância. Sem esses dados, não existimos como pessoa. Somos apenas massa corpórea em estado avançado de putrefação.

Desejo que você tenha alguém para te esperar.

CH.

 

 

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Se ele soubesse como consegue ser bonito em momentos simples... Quando diz uma frase tirada sabe-se lá de onde e ri de si mesmo em seguida, ou quando fica sério contando uma história para que ela saiba quem ele é de verdade. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando sorri, estendendo um letreiro que só ela entende, escrito boas vindas com letras invisíveis que piscam em neon da cor das estrelas de um céu no quadro de Van Gogh. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando tenta consertar uma mancada qualquer, e se desdobra em inventar de tornar tudo especial, tira coelhos da cartola, veste a alma de um palhaço de circo para vê-la rir e ouvi-la chama-lo de bobo, mesmo maravilhada com a capacidade dele em tornar os momentos simples em uma coleção de horas doces que estão guardadas numa caixa de música.

Se ele soubesse como consegue ser bonito quando revela que está cansado e encosta a cabeça no peito dela como quem encontra o conforto que tanto precisa. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando fala dos sonhos que tem, quando nada num mar revolto de palavras em busca de uma ilha de paz. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando brinca de reclamar do jeito dela, e se pavoneia da maneira de ser usando palavrões em superlativo. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando nem tenta ser, bagunça o cabelo com as mãos e pede a opinião dela à toa, se olhando num espelho que jamais captará a beleza que reside ali. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando diz que entende o que ela está falando, muda o tom de voz e repete para que ela acredite que ele realmente entende. Se ele soubesse como consegue ser bonito quando quer que ela saiba por onde correm os rios subterrâneos que cortam sua personalidade, e mostra-se despido de qualquer fantasmagoria. Se ele soubesse como consegue ser bonito...

São outras tardes agora que ela sabe que ele está ao alcance das mãos. São outras tardes desde que ele surgiu de um jeito inimaginável e não esperado. O que há naqueles olhos? - ela se pergunta sempre que se sente mergulhar naquela imensidão de noites insones e esquinas de espera. No que ele acredita? Em duendes, em elfos ou num amor que não machuque a quem deseja simplesmente ser feliz?  São outras tardes desde que ela começou a pensar no quanto seria bom entrelaçar os dedos nas mãos dele e passear sem rumo e sem pressa, filosofando sobre as pessoas, olhando as crianças que riscam amarelinha com giz colorido no asfalto negro porque ainda podem acreditar que é fácil chegar ao céu. Quanto podemos vender de nós mesmos para ter direito a efemeridade das dores e a eternidade dos amores? Ela se olha no espelho. Há um sorriso nos olhos que já viram tanta coisa, há um beijo pra acontecer nos lábios que já falaram adeus muitas vezes. Ela está bonita, pensa examinando com generosidade o reflexo que carrega tantos muitos e outros poucos experimentados. A voz que sussurra não perca a coragem ressoa nos ouvidos ou somente dentro do peito que bate em compasso de uma música perfeita de amor? São outras tardes essas agora que ela sabe que ele está por aí, que ele está pra chegar.

CH.

 

Em Literatura há um significado específico para o verbo sumarizar - é a diminuição do tempo da narrativa, algo do tipo querida-encolhi-as-crianças, que quem escreve tem de aprender a fazer nem que seja na marra. Já sumarizei mais páginas que consigo lembrar e ainda suo em bicas em todas as vezes, fico com pena de cortar palavras, embora concorde que o trabalho final tenha ficado melhor na maioria delas. Pensei em sumarização hoje... Tomava um café deliciosamente fumegante no Starbucks aqui pertinho de casa com um amigo a quem chamo amorosamente de primo emprestado. Como ele simplesmente abomina sair de casa com frio e chuva, me considero uma mulher de muita sorte por ele ter aceitado o meu convite e caminhado alguns bons quarteirões na chuva para me ajudar a matar a vontade de um cappuccino enorme, cremoso e espumado! (valeu, Pedro!) A gente sempre tem assunto pra caramba - na verdade é porque temos intimidade e eu falo pelos cotovelos... Vou emendando histórias que vi, que li, que vivi, que ouvi, conto a última piada que me fez rir, rio antes do final e volto pro começo, falo sobre o livro que estou escrevendo, respondo as perguntas que faço e vou lembrando e acrescentando coisas como quem enche uma árvore de Natal com todos os penduricalhos inventados, enfim...
 

Lá pelas tantas, café terminado e conta pedida, ele me contou que não estava mais saindo com tal mulher por quem estivera há pouco tempo bastante interessado. Minha reação foi dizer o que escrevi na frase anterior: Poxa, mas você parecia tão interessado nela! "Interessado", para ser bem específica neste caso, quer dizer que ele telefonava para ela algumas vezes ao dia, fazia perguntas sobre o que ela contava, tecia comentários quando ela pedia opinião, a convidava para sair, e levou-a para um fim de semana no reservado sítio da família em Petrópolis na companhia do cãozinho Shih-tzu dela - isso me parece com estar bastante interessado, sinceramente, e por conviver com ele, de certa forma, posso acrescentar que havia um investimento contínuo de tempo e gestos numa futura e bacana relação a dois. O que deu errado, então? A tal sumarização... A mulher resumia tanto suas opiniões e experiências que não dava para saber ao certo o que ela pensava ou quem era. Como é que alguém quer estabelecer um relacionamento profundo, intenso e real se economiza a si mesmo? Não dá para aprofundar os laços estabelecidos sem a porção de detalhes que compõe a nossa existência. É até óbvio dizer que ninguém precisa dar uma de Damien Dematra* e narrar longamente cada segundo respirado desde que saiu do ventre materno, mas existem certas histórias nossas que merecem e precisam ser esticadas ao serem contadas a quem quer compartilhar da vida conosco. Sumarizá-las é correr o risco de deixar lacunas descoloridas no retrato que pintamos de nós mesmos.
 

Acho que é muito gostoso poder olhar para quem nos relacionamos e pensar com uma bela dose de admiração: eu sei o quando ele (a) caminhou para estar aqui ao meu lado!  Encontrar a dosagem certa desse estica-ou-corta é o pulo do gato na ficção e na vida real.

CH

Esta é uma crônica que escrevo sorrindo e, para entender esse texto, é preciso lê-lo ouvindo essa música aqui - bem escrita por Leoni e bem cantada pela Milena Monteiro. Essa tem sido minha trilha sonora há muito tempo e por diversas razões. A gente pensa que vai apanhar sempre, que no fim vai ser sempre a mesma e velha complicação, uma trabalheira com muito suor e lágrimas, mas não é verdade. Num mundo que flerta perigosamente com o maldoso, parece estranho que o sol nasça todos os dias para iluminar a tudo o que existe sob ele. A vida insiste em brotar e a gente só entende isso na real após ter percorrido estradas que não deram em nada, amado e confiado nas pessoas erradas, entrado em becos sem saída, vielas cheias de poças e lugares que mamãe alguma recomendaria. Sim, deu pra sacar que ando feliz pra caramba, e se já dividi meus perrengues, por que não o faria com o que tenho de bonito dentro de mim? Motivo?

Tenho vários...

Dou um: estou de pé, estou no jogo. Enverguei, mas não quebrei. Insisti no sonho da minha vida e a cada palavra que deito no papel, sinto a força de uma chama que jamais vai se extinguir enquanto eu viver. Escrever não é a minha vida - tenho um par de olhos azuis com nome de arcanjo que vale mais que tudo que jamais imaginei, mas escrever é o que deixa a minha vida mais bonita, é o que me faz ter latitude e longitude dentro do círculo que meu compasso consegue traçar. É na retidão das linhas do papel que deslizo nas curvas da minha própria alma, é onde vou encontrar o outro que vive fora de mim. É escrevendo que sei quem sou, que defino para onde vou. Meus livros e minhas crônicas são o que de melhor de mim desejo que alcance a quem precise/queira. Vibro a cada vez que um leitor me diz que parece que meu texto foi feito pra ele, que ele se viu ali nas palavras que escolhi para me expressar (tem presente melhor?), e quando alguém vira pra mim e fala que quer ler um livro meu. Essas são felicidades que chegam a mim como as flores chegam com a primavera, regam o meu jardim humano com cores e muita luz. Minha vida anda mesmo perfumada e eu me encontro vestindo o meu melhor sorriso.

Pode acreditar nos rumores ;)

CH

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Se eu tivesse dito não... - ela pensou ao admirá-lo com o canto do olho que rabiscava a silhueta próxima. O gesto dela não chegou a atrair a atenção dele, mas estranhamente havia um sorriso dançando naqueles lábios macios, enquanto ele manejava com destreza o abridor na rolha do vinho tinto. Como ele descobrira que ela gostava de vinho tinto e também de Marvin Gaye? Since we got to being, let's live..., a música convidava deliciosamente, as notas flutuando sobre duas pessoas que estudavam uma a outra em silêncio. Ela teve vontade de saber no que ele estaria pensando naquele momento, mas não disse nada que pudesse atrapalhar o instante. Como se sentisse o movimento dela, ele parou o que fazia, levantou os olhos e demorou um segundo para sorrir e espalhar calor pelo ambiente e pelo corpo dela. Há algo de perigoso e irresistível quando se sabe que alguém pode virar o mundo de cabeça pra baixo e, ela notara, ele parecia capaz. Ele ostentava um olhar de quem sabe o que quer e de quem não tem a menor intenção de desistir do que deseja. E ele a desejava para si, era o que diziam os telefonemas no meio da tarde, as mensagens e os convites para sair, todas as sugestões que ele fizera apenas para ter a chance de estar perto dela. Ela dissera uma centena de nãos. Mas ele não desistiu e inventou uma noite só para eles. Deixou o resto do mundo do lado de fora assim que ela chegou, disposto a mostrar que nada de mais importante poderia existir além daquele momento.  

O barulho do vinho sendo aberto afastou-a dos devaneios e a trouxe de volta para aquela noite que apenas começava porque ela disse sim.

I know you know

What I've been dreamin' of

Don't you, baby?

My whole body is in love...


 

Nas primeiras páginas do Volume I de Xogum - best seller de James Clavell -, John Blackthorne, piloto inglês e capitão do Erasmus, uma belonave holandesa de vinte canhões, reflete se conseguirá chegar ao Japão (lugar desconhecido e que todos duvidam da existência). O ano é 1600 d.C e o Novo Mundo está dividido entre Portugal e Espanha, os maiores navegadores já conhecidos. Mais da metade da tripulação padeceu, e os que ainda vivem, definham miseravelmente pelo escorbuto. Blackthorne, ainda que muito debilitado fisicamente, demonstra sua força emocional e determinação racional antes que o leitor chegue à página dez. Num de seus devaneios, enquanto uma interminável tempestade açoita impiedosamente o Erasmus, Blackthorne relembra das palavras de um antigo professor de navegação:

 

"Se não tem terra à vista, mocinho, você está sempre perdido. A menos que tenha um portulano".

 

Portulano é uma espécie antiga de carta náutica. Na verdade, era mais um livrinho com informações detalhadas e transmitidas por um piloto que já estivera lá antes. Não havia registro de latitudes e longitudes, apenas linhas loxodrómicas traçadas a partir da Rosa dos Ventos. No entanto, era algo tão valioso que portugueses e espanhóis, "donos" das águas do resto do mundo, consideravam todos os seus portulanos secretos, e estes, guardados como tesouros nacionais, eram procurados desesperadamente por navegadores de outras nacionalidades.

 

A madrugada já ia alta ontem quando fechei o livro. Parei no momento em que o Capitão Blackthorne está em sua cabina, sozinho. Lá, ele destranca o baú e consulta o portulano secreto, escrito por outro navegador que já traçara aquele caminho. Só resta a ele rezar para que Erasmus esteja no rumo certo e o Japão surja antes que todos morram a bordo. Antes de pegar no sono, grifei a palavra portulano no caderno de notas que anda comigo. Fiquei pensando na importância de se preparar para o que precisa ser enfrentado, como faziam os homens de outros tempos ao singrar mares desconhecidos. É preciso muita ousadia, claro, para se atirar no desconhecido com a cara e com a coragem! A maioria dos grandes feitos humanos surgiu assim, do impulso apaixonado. Contudo, se podemos nos embasar antes, por que não? Ter um portulano, mesmo que seja abstrato, algo que somente exista no nosso interior, me pareceu uma ideia interessante. Não falo somente de ter metas e objetivos de vida anotados e bem traçados. Acho que um portulano deve conter a coleta diária de vivências, algo que nos guie quando não há terra à vista e nada  e nem ninguém surge com a bóia de salvação... Muitas vezes, atravessamos situações na vida (doenças longas ou graves, rompimentos emocionais, vícios, depressão, crise financeira, infortúnios de todo tipo...) como náufragos, nos debatemos/nadamos contra a corrente, correndo o risco de não sobrevivermos ao peso do golpe sofrido. Um "navegador que já estivera lá antes" pode ser de imensa ajuda. Desabafar com um amigo, frequentar um grupo de ajuda, abastecer-se de informações sobre o que nos aflige nada mais é que ter um portulano valioso à disposição. É não estar sozinho, perdido, acabado. Saber disso, como escreveu James Clavell, talvez seja uma das coisas que mantêm a gente vivo, enquanto outros morrem.

 

"Enfrentei o mar a vida toda e sempre venci. Vencerei sempre." - John Blackthorne.

 

Alieksei Alieksándrovitch, num dado momento da trama, diz para si mesmo: "O que importa é que eu não sofra e que eles não sejam felizes". O personagem de Tolstói em Ana Karênina é um marido frio, de hábito e maneira contidos, enquanto Ana, a esposa, está com tudo e não está prosa - tem beleza, classe, boa posição social, é invejada pelas mulheres da sociedade peterburguense, um filho amado e, para completar, ainda conta com o amor do todo-todo Conde Vronski. Não à toa, ela é a protagonista da famosa obra da literatura russa que ganhou inúmeras versões para teatro e cinema. Na versão de 1985, o par de amantes era formado pela bela Jacqueline Bisset e Christopher Reeve, o meu Superman favorito.

 

Fiz a volta toda ao iniciar a crônica para conseguir contextualizar a frase. Alieksei não se importa exatamente com o desamor da esposa, embora isso o atinja no centro da vaidade masculina. Para ele, o objetivo central é que nada respingue fora do balde de sua contida personalidade e não mude sua maneira de viver. O romance foi publicado por volta de 1875, mas o pensamento do Sr. Karênin é de uma atualidade gritante. Quantos por aí andam espalhando a infelicidade geral, na base do se-não-vai-ficar-comigo-então-que-seja-muito-infeliz? E o pior é que alguns, lamentavelmente, levam tudo a termo, vão mais longe e transformam a vida do outro num inferno, com direito a todos os círculos de Dante... Acabou o amor, acabou a paz. Fazer o outro infeliz torna-se uma missão de vida (cá pra nós... isso lá é vida?), um objetivo cego e irracional de causar terra arrasada, nada de bom poderá ser plantado ali. É um troço doentio, pavoroso e... comum, creia. Há variações do tema, graduações de maldades, mas a meta é a mesma: distribuir infelicidade a granel. E não precisa ser um marido traído para cometer o desatino de jogar contra, de desejar o mal;  "amigos" fazem isso, ex-paixões de curta duração fazem isso, ex-mulheres e ex-maridos fazem isso... O que interessa é que ninguém consiga tocar a vida e ser feliz. Nesse caso, ninguém é ninguém mesmo, pouco importando os danos colaterais (filhos, pais, amigos, etc).

 

Já cantaram que alegria alheia incomoda, e impressiona a verdade que há nessa frase de aparência simplista. Se a felicidade é contagiante, a infelicidade é epidêmica. Vale prevenir para não se deixar infeccionar.

 

 CH

 

 Todos os Direitos Resevados.

Retas sempre avisam que um caminho, seja ele longo ou curto, será relativamente seguro. Curvas mostram que não há garantias no que se vai encontrar depois. Retas são apostas certas. Curvas pedem intuição. Retas são matemáticas. Curvas são humanas. Retas são lineares. Curvas têm múltiplos finais. Retas podem ser infinitas. Curvas têm começo, meio e fim. Retas têm pontos A e B. Curvas podem ser caóticas. Retas simples são  hora marcada num papel. Curvas poligonais são esperança de vida num monitor cardíaco. Retas podem ser paralelas que nunca se encontram. Curvas se aninham. Retas são frias. Curvas são de Santos. Retas concorrem. Curvas acolhem. Retas são retratos repetidos no retrovisor. Curvas são propostas para descobertas. Retas impõem. Curvas propõem. Retas são fundamentos. Curvas são harmonia. Retas competem. Curvas se repetem e apetecem. Retas não aceitam reencontros. Curvas são segundas chances. Retas são a corda bamba onde se equilibra o horizonte. Curvas são o recorte das montanhas na paisagem. Retas são as margens de um livro. Curvas são as histórias dentro dele. Retas são teoremas de invariância. Curvas são  sofismas. Retas estão nas setas. Curvas desenham redemoinhos e furacões. Retas são esquecimento. Curvas são as visitas da saudade. Retas estão no estrado da cama. Curvas estão nos corpos apaixonados. Retas são previsíveis. Curvas são o esconderijo dos acasos. Retas são testes para velocímetros. Curvas aceitam a calma. Retas são axiomas. Curvas são hipérboles. Retas são as linhas. Curvas são as palavras. Retas são quedas livres. Curvas são homeomerias. Retas são as cartas de despedidas. Curvas estão nos sorrisos de boas vindas. Retas são as letras da palavra FIM. Curvas moram no C de COMEÇO.

 

 

 CH

 

 

Texto de Corina Haaiga - Todos os Direitos Reservados.

Engraçado pensar sobre a forma que a vida se desenrola e como ela apresenta a fatura das nossas escolhas pessoais nem sempre racionais. Numa época, tudo parece possível e o mundo cabe no umbigo; a soma das vontades é sempre maior que a soma dos medos e você joga na vantagem. Terá a casa dos sonhos, o trabalho dos sonhos, o amor dos sonhos, a família dos sonhos... "Se você pode sonhar, pode realizar", você se apega a essa citação de Walt Disney e se sente pronto para tomar posse do seu lugar de fato e de direito. O que pode dar errado quando se tem tamanha certeza de tudo? Entre nasceres e pôres-do-sol, a vida se encarrega de ir mostrando que algo disso nunca deixará o mundo onírico; a casa, o trabalho, o amor ou a família perfeita não se encaixará na realidade, duro aprendizado ver que querer nem sempre é poder. Você, então, descobre que é falível, impotente, imperfeito, mesmo quando quer muito acertar, e que não é o seu dedo que está no botão ON/OFF.  E aí começam as intermináveis negociações internas, a gente com a gente mesmo, esse grande e inseparável oponente - a casa pode ser menorzinha, quem é que precisa de uma cozinha modulada? O trabalho é assim-assim, mas dá pra pagar as contas. O amor-perfeito adquiriu outros rostos e perfumes, e não ficou tempo o bastante para pagar pra ver e formar a família que você tanto desejou.

Fácil se sentir um perdedor e carregar, mundo afora, a sua valise de culpa por tudo ter dado errado. Errado? Quem disse? Se os sonhos da adolescência não se concretizaram, você pretende chorar até que o mundo se redima dessa falha imperdoável? Se sim, prepare-se para ser muito infeliz. E daí que a casa é tão pequena que não dá nem pra mudar de ideia dentro dela? E que importância tem se você já casou mais vezes que a Elizabeth Taylor? A quem interessa se a sua família, no momento, se resume a uma iguana-macho de nome Rudolph Von Braun? Às favas com os scripts; são momentos, alguns são melhores e outros são piores, e tudo pode mudar, acabar de uma hora pra outra, inclusive a sua existência física que já não é tão longa quanto a de uma água-viva Turritopsis Nutricula.

Em todo o voo pode haver mudança de rotas, seja por uma tempestade, um nevoeiro repentino ou problemas de sustentação nas asas. A vida precisa ser inventada e reinventada no espaço de tempo em que o traçado do sol leva do oriente ao ocidente. O objetivo de tudo é ter um pouso seguro no fim das contas. Não perca a si mesmo de vista e observe os avisos luminosos de apertar os cintos.



O sol já nasceu de novo.


CH

Quem não gosta de cafuné que dê a primeira travesseirada. Eu adoro, em letras maiúsculas e cintilantes! Hoje acordei pensando num ex-namorado por causa do dito cafuné; ele era/é mestre nessa arte milenar - sim, defendo a tese de que cafuné é uma arte! A gente assistia a  um filme, e segundos depois lá estavam as mãos bonitas dele no emaranhado dos fios do meu cabelo... Um chamego que durava as duas horas de filme, uma delícia! A leva de pensamentos me fez sentir uma baita saudade dele e, enquanto escrevo essa crônica, olho de esguelha para o celular de repouso sobre a mesa de trabalho e cogito seriamente em telefonar pra ele, juro. 

O que eu diria/direi?

"Oi, só liguei pra dizer que acordei pensando em cafuné, lembrei de você e fiquei com saudade..." ?

Seria ótimo se ele acreditasse,  mas o conhecendo bem, provavelmente ele vai achar que bebi logo de manhã e vai tirar um sarro danado da minha cara. Ele tem um bom humor que combinava muito com o meu; a gente fazia umas piadas, gastava um ao outro com tiradas insanas. (Já reparou como é difícil topar com alguém de bom humor atualmente? Parece que todo mundo está numa competição pra ver quem  sofre mais, um horror!) Eu sinto saudade também dessa alegria espontânea, confesso...  Ele pulava da cama e fazia o café pra nós dois, imitando Nelson Gonçalves numa cantoria engraçada e cheia de timbres. Antes de Roberto Carlos dizer qualquer coisa, eu rolava entre os lençóis macios, já pensava que esse cara era ele e sorria muito bem amada, obrigada. A memória é um troço engraçado pacas, só assim eu consigo explicar essa sessão flashback que surgiu do nada e me levou de volta no tempo por causa de um cafuné. Tomada por essa inesperada nuvem de remember, me flagro com uma pontada doída de inveja (sem essa coisa ridícula de cor, por favor!) da  mulher que ganhará cafunés espetaculares do homem por quem um dia fui apaixonada. Sim, pode rir, é bizarro mesmo! Ser humano é viver com complexas ideias, dualidades e estranhezas, e o melhor é assumi-las em vez de disfarçá-las, já que depois de um tempo de convivência é uma tarefa hercúlea e chatérrima parecer, (vá lá...) muito normal.

 

Antes que você me pergunte, é claro que eu desejo que ele seja feliz. O mundo precisa da alegria dele, pois esse meu ex-namorado é alguém que acrescenta valor à Humanidade. Só acordei com saudade. Isso passa.

 

 CH

 

 Todos os Direitos Reservados