A Navalha de Occam

Partimos do princípio de que a vida é um bocado complicada, frase que se ouve em qualquer lugar ou hora do dia. Arrisco dizer que a vida é complexa; humanos tendem a complicar tudo, a buscar loucas teorias explicativas para justificar atos e escolhas, ações e reações. Tudo o que é muito simples acaba passando por debaixo dos nossos narizes e, depois que descobrimos, vem aquela enxurrada de sinais irritantemente óbvios, não é? Quantas vezes, nos sentindo completamente idiotas, já repetimos: mas como foi que eu não percebi isso? Boa pergunta... O quanto você próprio acredita no poder impactante da simplicidade?
Por esses dias, andei teorizando acerca de um problema, juntando peças para montar um quebra-cabeça estranho, uma tentativa de vislumbrar algo que sossegasse o coração e me devolvesse a cota razoável de serenidade necessária às exigências sociais diárias. Enlouquecer é um luxo cada vez mais caro no mundo moderno. Com afinco e aplicação olímpica, revi cada passo, transcrevi diálogos, interpretei cada movimento com a mente analítica de um enxadrista campeão em surto pitagórico: se Cavalos andam em  L e Bispos na diagonal, então a soma das áreas dos quadrados construídos sobre os catetos equivale à área do quadrado construído sobre a hipotenusa, logicamente. Simples? Desconheço essa palavra quando autopsio uma relação, preciso de diagnósticos absolutos, quero declarar a hora do óbito e saber de que o sentimento morreu. Andei quilômetros revirando os tapetes para achar a sujeira escondida.  Queimei a mufa até que desafiei a mim mesma a achar uma explicação baseada 100% em simplicidade. Foi aí que apliquei realmente e pela primeira vez a teoria de William de Ockham,  um frade franciscano, filósofo, teólogo inglês do século XIV - a chamada Navalha de Occam, que diz que "se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor".
A teoria, na verdade, é muito interessante e tem um sentido científico reducionista; William de Ockham escreveu que a natureza é por si mesma muito econômica e que opta, invariavelmente, pelo caminho mais simples. Mas, como teólogo, acreditava que o poder de Deus não poderia ser reduzido por um princípio como este, logo, os homens é que deveriam eliminar os supérfluos de suas teorias. Supérfluo é o sobrenome da Humanidade, querido frade, o que torna a tarefa mais ingrata e sinistra. Como cortar todas as amarras e edificações que nos mantêm de pé? Como ir se despindo de pré-conceitos, de verdades  absolutas, do nosso ar de donos da bola? Somos programados para complicar, para carregar  toneladas de culpa até mesmo quando temos prazer. Usamos chicotes invisíveis para a sessão diária de autoflagelação e nossa prece noturna sempre termina com mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.
Adoro a palavra responsabilidade. É, de  longe, uma das minhas preferidas. Temos responsabilidades como seres humanos, como pais, como filhos, como amigos,  como seres  racionais,  como senhores da cadeia alimentar, como amantes,  como cidadãos... Fugir de responsabilidades é covardia, e sempre dá uma M incalculável, vide o mundo moderno como está (eu sei que soa como observação de gente idosa, mas ouvi um garoto de  6 anos falando isso e achei grave) ... Vale fazer uso da teoria da simplicidade/simplificação para viajar mais leve.
Escrevi em letras garrafais no espelho: K.I.S.S -  Keep It Simple, Stupid. E assim decifrei o enigma da Esfinge que queria me devorar.


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